segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Carta para

São Leopoldo, 12 de setembro de 2011

Baby,

Hoje o dia amanheceu segunda feira ao sol.
Os operários da obra em frente a minha janela continuam martelando o concreto e eu consolidando-me no abstrato. Um lençol azul se estende sobre minha vista superior, uma brisa leve segue levitando um ar morno-resfriado, me mantendo de braços juntos, porém, de mãos soltas. Alguns pássaros cantam. Ouço um João de Barro boêmio, um pardal faceiro e um ben-te-vi irritado: ha muito barulho motor na rua asfaltada.
Apesar de ser mais um dia, sinto que ultimamente os dias vão passando diferente. Por algum motivo sinto o pinicar dos minutos na minha pele, o arder das horas no meu rosto. Segundo Mario Quintana, a vida não cansa quando se vive um dia após o outro. Que será que ele quis dizer? Suponho que seja algo como "não crie expectativas". Ou ao menos não as deixe consumir seu oxigênio. Por que é impossível uma dia após o outro quando se está em expectativa. Há uma necessidade de que as horas pulem de dois em dois ponteiros, que os dias despenquem de trio do calendário. Após completar os 30 anos, passei a viver em intensa expectativa. Os anos e os sonhos acumulados pesam sobre meus passos e eu quero correr para chegar antes. Isso torna cada manhã uma angustia. As vezes quando me dou por conta, já são horas de dormir de novo e eu nunca me lembro em que bolso coloquei o dia que acabou de passar e eu nem percebei. Inerte nas linhas da minha poesia, torno-me reticencias. Mas agora, observando os operários, percebo que a expectativa deles está no próximo tijolo. E lentamente, mas sólido, um prédio se ergue. Será que devia ser um operário?
Na verdade, queria mais calor nos meus dias. Tenho a impressão de que o calor me abre os poros e, assim, utilizo meus 99% de expiração. Confesso que prefiro chinelos do que sapatos. Sapatos são formais demais. Talvez por isso se morra de sapatos. Aliás, a morte anda muito formal. Agora é sempre noticia de jornal, andando engravatada e brilhando em CAPS LOCK. Mas refiro-me a informalidade da criação quando ostento os chinelos. Como podem meus dedos do pé me levarem as estradas da criação se, trancados num sapato, não enxergam sequer a direção? Gostaria de mais calor nos meus dias. Tem momentos que faz tanto frio por aqui, que recolho-me em silêncio para me esquentar de dentro pra fora. Dae percebo que somente a solidão nos cresce e quero mudar-me de endereço. Não como quem foge e deixa tudo pra trás num romântico episódio de uma ficção. Mas como quem quer dizer a si próprio - Rápido! A morte está logo ali e, te garanto, da vida nada se leva! Mesmo o tempo varre as pegadas deixadas.
Assim sendo, é assim como ando vivendo: esperando que os dias esquentem para latejar minha criação e que esta possa me levar a fascinante reta do resto da vida. Mas até lá, maldita expectativa!
Sabe, baby, agora eu entendo tudo o que você me disse e tudo o que você fez por você. E, honestamente, agora percebo o que é amor.

Silenciosamente,

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