terça-feira, 27 de setembro de 2011

... (Alves)!

pois, assim,
do branco véu
a cobrir-lhe a vista
(casca)
não vedes;
não ouves,
não sentes!
quem dera fácil
(poesia fútil)
para dizer-lhe
o que queres
ouvir.
nada fácil,
porém alerto!
para assim perene,
como queres,
como lago verde
formado no pós,
sem antes ser turbilhão
de corredeiras
do que há
(e foi)
sendo
a partir
do que poderá ser!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Sacrifício

A casa está em silêncio.
Dirige-se do quarto em direção a cozinha. Seu semblante é carregado de angústia. A pouca luz que atravessa o corredor lhe sombreia a face e desenha uma estranha figura agonizante. A mão estalada cobre-lhe o meio do corpo. Dor. Seus pés, avulsos, entrepassam cada passo, quase derrubando-lhe. Cega os olhos ao chegar na cozinha. Produz sombra para as vistas com a mão esquerda erguida. Rufa oxigênio e procura a pia. Dor. Atira-se sobre ela segurando-se avidamente ao inox para não despencar como um saco vazio. Inspira oxigênio com dificuldade. Dor. Apoiando-se bravamente com a mão esquerda, deixa a mão direita apalpar a primeira gaveta e nela, como um peixe que fisga mortalmente o anzol, agarra o puxador e concentra-se para puxa-lo. Abre-a com rispidez, fazendo cada talher atirar-se da inércia noturna dos talheres numa gaveta. Perde a força nos joelhos e quase encontra-se com o chão. Dor. Superando-se, enrijece a palma da mão esquerda e põe-se mais uma vez de pé. Vasculha a gaveta atirando os talheres de um lado ao outro como um cão abocanhando um pedaço de carne. Sente o cabo de madeira e agarra-o com convicção. Seus olhos se erguem fitando a parede de azulejos brancos. Sabe o que fazer. Dor. Retira lentamente a faca da gaveta levando-a à frente dos olhos onde enxerga seu semblante gordo refletido no metal. Seus olhos verdes profundos, como um oceano. Analisa-os cuidadosamente. Corre o olhar decidido sobre a faca. Com força formigante na palma dos pés, leva a mão esquerda sobre a barriga. Dor. Sabe o que fazer. Comerá um sanduíche. Mesmo que a dieta proíba carboidratos a noite...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Final do quarto capitulo

- Pelo visto vai doer primeiro em mim. Mas não suspire: quando a dor chegar em ti, estarei noutra!
E com um golpe certeiro arrancou seu dedo anelar esquerdo!




to be continued?










Coração Mal Passado!






Frita-me com teus olhos



...







domingo, 18 de setembro de 2011

Gerberas

O telefonema
De tanto que precisou, acabou por ligar pra ela:
- Acho que tive uma ideia!

A idéia
Desde a fatídica discussão, não fez outra coisa senão procurar uma ideia dentro de si. Procurava uma ideia que atendesse aos seus princípios pessoais de bossa. Afinal, acabara de completar os 30 anos de idade. Não exitaria usufruir de uma certa independência boemia. E isso era preciso ser levado em consideração como um dos itens mais importantes de um relacionamento. Junto com a pornografia e o romantismo. O mais importante é que se convencera plenamente da ideia. Enquanto digitava o numero dela no telefone, correu mentalmente uma provável rotina de imprevistos. Era tão boa a ideia, tão boa, que poderia acalentar-se no calor de braços que esperam ao findar do dia, tanto quanto poderia embriagar-se nos abraços de quem espera o surgir da noite. E ela teria o que sempre quis: liberdade financeira e profissional aliados a sua necessidade emocional de ser mulher. Sabia que ela aceitaria. Recuperaria a confiança dela. Poderiam, enfim, ficar juntos.

O destino
Desligou o telefone e ofegante apressou-se para encontra-la. No reflexo de uma vitrine arrumou o cabelo, na janela de um Chevette branco parado na sinaleira alisou a camisa estendendo-a sobre o tórax, na frente de uma floricultura pigarreou como quem prepara a fala e parou. Flores. Gerberas. Entrou, escolheu duas vermelhas e uma amarela. Pediu que embrulhassem em papel elegante, agradeceu e pagou. Quando saiu, desnorteado pela pressa e pelas flores, torceu o pé no degrau. Saiu cambaleando pela calçada procurando um corrimão no ar até invadir a rua e ser atropelado pelo Chevette branco. As gerberas lançaram-se ao ar e caíram sobre o corpo desfalecido. Uma poça de sangue vermelho abriu-se sob sua cabeça como uma aureola mortal.

O fim
Ela tatuou duas gerberas vermelhas e uma amarela no lado interno do pulso esquerdo, casou e teve dois filhos com um jogador de futebol.


19 - 09 - 2011 - 14:01

Um quarto vazio. Branco. Uma poltrona. Sobre ela um velho edredom vermelho. Uma janela aberta. Sujeira no vidro. Um dia nublado. No canto do quarto, no chão, sob a poeira, um notebook conectado a internet tocando Tristan und Isolde - Prelude. Uma xícara de café fumegante. Um cinzeiro e um cigarro aceso. Um relógio parado. Uma dor no peito. Um semblante estático. Um olhar vazio...

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Carta para

São Leopoldo, 12 de setembro de 2011

Baby,

Hoje o dia amanheceu segunda feira ao sol.
Os operários da obra em frente a minha janela continuam martelando o concreto e eu consolidando-me no abstrato. Um lençol azul se estende sobre minha vista superior, uma brisa leve segue levitando um ar morno-resfriado, me mantendo de braços juntos, porém, de mãos soltas. Alguns pássaros cantam. Ouço um João de Barro boêmio, um pardal faceiro e um ben-te-vi irritado: ha muito barulho motor na rua asfaltada.
Apesar de ser mais um dia, sinto que ultimamente os dias vão passando diferente. Por algum motivo sinto o pinicar dos minutos na minha pele, o arder das horas no meu rosto. Segundo Mario Quintana, a vida não cansa quando se vive um dia após o outro. Que será que ele quis dizer? Suponho que seja algo como "não crie expectativas". Ou ao menos não as deixe consumir seu oxigênio. Por que é impossível uma dia após o outro quando se está em expectativa. Há uma necessidade de que as horas pulem de dois em dois ponteiros, que os dias despenquem de trio do calendário. Após completar os 30 anos, passei a viver em intensa expectativa. Os anos e os sonhos acumulados pesam sobre meus passos e eu quero correr para chegar antes. Isso torna cada manhã uma angustia. As vezes quando me dou por conta, já são horas de dormir de novo e eu nunca me lembro em que bolso coloquei o dia que acabou de passar e eu nem percebei. Inerte nas linhas da minha poesia, torno-me reticencias. Mas agora, observando os operários, percebo que a expectativa deles está no próximo tijolo. E lentamente, mas sólido, um prédio se ergue. Será que devia ser um operário?
Na verdade, queria mais calor nos meus dias. Tenho a impressão de que o calor me abre os poros e, assim, utilizo meus 99% de expiração. Confesso que prefiro chinelos do que sapatos. Sapatos são formais demais. Talvez por isso se morra de sapatos. Aliás, a morte anda muito formal. Agora é sempre noticia de jornal, andando engravatada e brilhando em CAPS LOCK. Mas refiro-me a informalidade da criação quando ostento os chinelos. Como podem meus dedos do pé me levarem as estradas da criação se, trancados num sapato, não enxergam sequer a direção? Gostaria de mais calor nos meus dias. Tem momentos que faz tanto frio por aqui, que recolho-me em silêncio para me esquentar de dentro pra fora. Dae percebo que somente a solidão nos cresce e quero mudar-me de endereço. Não como quem foge e deixa tudo pra trás num romântico episódio de uma ficção. Mas como quem quer dizer a si próprio - Rápido! A morte está logo ali e, te garanto, da vida nada se leva! Mesmo o tempo varre as pegadas deixadas.
Assim sendo, é assim como ando vivendo: esperando que os dias esquentem para latejar minha criação e que esta possa me levar a fascinante reta do resto da vida. Mas até lá, maldita expectativa!
Sabe, baby, agora eu entendo tudo o que você me disse e tudo o que você fez por você. E, honestamente, agora percebo o que é amor.

Silenciosamente,

...